sexta-feira, julho 07, 2006

Atrações da Cidade Maravilhosa



Domingo de sol.
Céu azul e ar frio. Sob a proteção do braço direito do Redentor, a floresta nativa de Mata Atlântica esconde a casa do Parque Lage, uma deliciosa atração secreta da Cidade Maravilhosa. Construída em estilo eclético, revestida em cantaria e com um pátio central tomado por uma piscina de pedras, a mansão pertenceu a Henrique Lage, um excêntrico armador do século XIX. Os jardins foram projetados pelo paisagista inglês Jhon Tyndale, em 1840 e a propriedade foi tombada em 1957. O charme, porém, é a área da piscina. Dezenas de pessoas se aglomeram ali nas manhãs de domingo e trocam longas esperas pelo direito de pagar 15 reais por poucas fatias de pão caseiro, uma porção francesa de doce de abóbora, um suco e um café com leite. Vários estrangeiros tentam valer-se da ignorância da língua para assaltar mesas em débeis tentativas de furar a fila. São polidamente advertidos pela universitária que faz as vezes de garçonete descolada do lugar. O petit déjeuner é caro, a fila é grande, mas existe um certo ar europeu no lugar, um não sei que de Plaza Mayor madrileña, um charme de abóbodas sarracenas.

Segunda-feira nublada.
O ônibus frea em cima da curva no final da descida e despeja passageiros num quadrilátero cimentado a que chamam praça. Escondido ali perto, ao lado do complexo cruzamento de viadutos, um corpo mal coberto por sacos plásticos verdes da Comlurb sangra no asfalto. Um amontoado de lataria amarrotada, batida, ralada, nas cores azul e branco e com um luminoso no teto, faz as vezes de viatura da Polícia Militar. Um único soldado, fuzil no ombro e banha em luta com o colete à prova de balas, toma conta da cena na Cidade Nova, centro do Rio. Dezenas de pessoas trocam minutos ociosos pelo direito de olhar alguém que não conhecem e sobre quem nada sabem, a não ser que está morto, baleado e mal coberto por sacos de lixo que deixam um pé negro descalço de fora. Apenas mais um corpo. Outros oito apareceriam nas imediações no dia seguinte, denunciando uma guerra entre traficantes dos Morros de São Carlos e do Querosene, ambos no centro, longe demais para esperar pela proteção do braço esquerdo do Redentor.

4 comentários:

Anônimo disse...

Num dia em que acordei com as notícias sobre os novos ataques do PCC em São Paulo, esse texto só reforçou a lembrança amarga do mundo difícil que vivemos. Uma pena!

Anônimo disse...

caro ferdi,
quer dizer que cruzaste o atlântico de volta? e eu esperando o sinal verde pra ir pra cidade do cabo trabalhar com vc... quais as novas?
e quanto ao pedacinho de plaza mayor que vc descobriu no rio, sinto muito, mas faltam as españolas...
forte abs

F. disse...

Fala Júlio,
Já cruzei o Atlântico de volta faz tempo. Aquele emprego lá na Cidade do Cabo acabou não rolando e apenas viajei pelo continente. Quanto às espanholas, de fato, não estão pelo parque Lage. Mas tem bastante gringo desfilando pela piscina de pedra.
Abs.

Anônimo disse...

Ferdi, irmão querido,
Como você escreve bem!!! tenho orgulho de ser sua irmã! O texto é lindo, de uma sensibilidade maravilhosa!!! Adorei!
Beijos da irmã primogênita
Nancy