quinta-feira, janeiro 25, 2007

Respeitável público

Minha companheira de blog odeia quando volto ao tema. Queixa-se de que falo muito de violência. Talvez esteja certa. Mas, às vezes, não consigo evitar. O tema da vez é a tão Força Nacional de Segurança, panacéia para todos os males da segurança.
O governo federal gastou milhões treinando a elite de policiais para compor a tal força. E quando o Rio foi atacado, às vésperas do Revéillon, acertou com o novo governador o envio de sua tropa para a cidade. Nós, moradores, enchemo-nos de esperança. Depois de oito anos de esquizofrênia fundamentalista no Palácio da Guanabara, o Rio voltava a admitir seus problemas e a aceitar ajuda externa - primeiro passo para solucioná-los.
Os Boinas Vermelhas do presidente chegaram e foram subordinados ao comando da segurança Estadual. Ato contínuo, os melhores e mais bem treinados policiais de todo o território nacional foram enviados para o patrulhamento das divisas do Estado.
Enquanto a guerra evolui na capital, lenta e gradualmente, a elite da tropa brinca de vigilante rodoviário nas estradas. Só falta o cão Lobo, daquele antigo seriado, para a pantomima ficar completa.
E o governador Sérgio "Jânio Quadros" Cabral? Depois de começar o governo no melhor estilo populista, invadindo de supetão os plantões dos hosptiais públicos e demitindo diretores recém-empossados, recolheu-se à insignificância do seu gabinete, onde o ar refrigerado o livra de entrar em contato com o calor viscoso das ruas da Guanabara.
Será que os Boinas Vermelhas foram enviados para bem longe justamente para não atrapalhar os lucrativos negócios escusos que beneficiam a estrutura de segurança do Estado, a mesma que assumiu o comando da elite da tropa federal?
Mudam governos, mudam políticos, mas o Rio continua sendo transformado num enorme picadeiro de circo, onde os palhaços, infelizmente, somos nós.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Instituições Cariocas 2: Biscoito Globo

Ele combina com a areia branca tanto quanto o sol e a água salgada do mar. Na hora daquela fominha, preenche na medida exata a gula. Alimentar, não alimenta; mas é bom demais. E barato. Dois reais compram um saquinho de papel-manteiga encerado, enrolado nas pontas, com 30 gramas da guloseima. Disponível em dois sabores: salgado ou doce.
É verdade que existem biscoitos de polvilho em qualquer lugar. Mas o "bixcoito Globo", como anuncia o sotaque do ambulante, é um clássico carioca. Motivo de orgulho para os locais (quase tanto quanto o Pão de Açúcar e o Cristo Rendetor), embala lembranças de infância ensolarada para quem tinha por rotina visitar a brisa da tarde no mar de domingo.
Acreditem os cariocas ou não, esse cinquentão de que tanto gostam nasceu em... São Paulo. Mais precisamente no bairro do Ipiranga, em 1953, quando três irmãos (Milton, Jaime e João Ponce) se mudaram para a padaria de um primo depois da separação dos pais.
Eles começaram ali a fabricar a receita que mistura água, polvilho, sal e gordura vegetal (até hoje orgulham-se de não usar qualquer tipo de corante, conservante ou antioxidante). Em 1954, vieram ao Rio para vender a guloseima durante um Congresso Eucarístico. Foi um sucesso e eles perceberam que iam fazer mais sucesso na areia do que no asfalto. Mudaram-se, então, para uma panificação em Botafogo, chamada Globo.
O biscoito caiu no gosto dos cariocas e virou mito. Até hoje é disputadíssimo e não só pelos banhistas glutões. Os vendedores ambulantes também sofrem para consegui-lo na Panificação Mandarino, que os fabrica na Rua do Senado, Centro do Rio.
Formam filas enormes desde as onze da noite e dormem na calçada para conseguir um fardo, com 50 saquinhos. Um único por vendedor. Quando chove, a fila diminui e é possível levar dois ou, com sorte, até três.
Percebendo a demanda reprimida -, uma panificação de Olaria lançou o biscoito Extra (alusão ao jornal popular do grupo Globo). Com distribuição descentralizada, tenta ganhar o mercado do concorrente. Também pratica preços mais baixos nos cruzamentos (um real), embora na praia, em geral, custe o mesmo.
Os consumidores mais puristas, porém, garantem que o Extra não é tão bom quanto o Globo. Confesso que ainda não provei.


domingo, janeiro 14, 2007

Instituições cariocas 1: pôr-do-sol na lagoa

Há muitos lugares no Rio de onde se pode admirar o pôr-do-sol. No arpoador, o pessoal até bate palmas quando o último pedacinho de sol desaparece atrás do Dois Irmãos. Mas o pôr-do-sol que está mais presente na minha vida carioca é mesmo o da Lagoa.

Agradeço aos Deuses toda vez que desço do ônibus, chegando do trabalho, e vejo aquele céu rosa-dourado atrás da Pedra da Gávea. Na boa, parece meu suco de maracujá com repolho roxo, onde o amarelo e o rosa parecem ter sido feitos um pro outro (claro que meu suco não tem o brilho do céu, nem aqueles fiozinhos de ouro que se formam no contorno das nuvens). Acho que no Rio os Deuses têm photoshop. Só pode ser... Pra pintar o céu naquelas cores, naquela intensidade, com uma tonalidade diferente a cada dia. Nada mais sábio como a natureza para recriar a rotina em tantas versões originais.

Ontem, saí apressada para pegar um filme na locadora dez minutos antes dela fechar. Mas quando cheguei na rua, vi aquele céu cor de suco-de-maracuja-com-repolho-roxo-mais-os-fios-dourados. É paralisante, um insulto resistir. Voltei correndo e peguei a câmera pra compartilhar com vocês esse momento. Taí embaixo:

(Detalhe: cheguei na locadora meia-hora depois e ela ainda estava aberta. Acho que eles também pararam o relógio para se despedir do sol).

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Pombas e poemas

Novo ano, nova esperança de paz. Era mais ou menos assim que começava a última frase do meu último post, sobre o réveillon em Copacabana. Exatamente num início de ano violento no Rio, cenário e razão da existência deste blog. A esperança, coitada, deve andar gasta de tanto rolar na caixa de nossas bocas sempre que queremos empurrar aos outros um problema.
Todo ano é igual. Cheios de esperança, ficamos à espera de que a paz apareça e se instale por milagre. No máximo, vestimos uma roupa branca e fazemos um pedido a Yemanjá no dia 31 de dezembro. No dia seguinte, farda despida, já estamos de volta à guerra diária. Nas discussões em família, nas brigas no trânsito, nos destemperos cotidianos.
Aprendi tudo isso com um velhinho. Testa avançada sobre a cabeleira branca, óculos de aro grosso, ele é figura fácil na Cobal de Humaitá. Carrega uma pastinha cinza debaixo do braço e, dentro dela, folhas A4 com um texto impresso, que distribui às pessoas com a recomendação:
- Espalhe. O mundo está precisando de paz.
Foi exatamente assim que ele nos abordou outro dia, na mesa do Rio Vegetariano. O texto, atribuído a Gandhi, fala em nos doarmos para ajudar a transformar o outro. Termina assim:
"Retome a bondade. E doe-a a quem não sabe doar.
Descubra o amor e faça o mundo conhecê-lo."
Assim que levantei os olhos do papel, dei com o velhinho ralhando com a garçonete que demorava a atendê-lo. A paz que ele pretendia espalhar pelo mundo, pelo visto, estava só na pastinha cinza. Paz não se espera; se pratica.

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Quem terá sido o gênio que atribuiu à pomba branca o símbolo da paz? Logo a pomba, tão pequena e difícil de pegar (quem nunca correu, criança, atrás de uma pomba?).
Será por isso que a humanidade nunca encontra a paz? Será que ela pode ser comprada por um punhado de euros na Piazza San Marco, em Veneza? Lá, com milho nas mãos, qualquer um vira poleiro de dezenas de pombas.
O que a humanidade conseguiu com esse simbolismo ridículo foi exportar o preconceito para o mundo das aves. Em qualquer pet shop, uma pomba branca custa o dobro de uma pomba mesclada ou de uma cinza. Afinal, ela é da paz.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Feliz Ano Novo

Elas começaram a chegar no final da tarde, vindas do mundo todo. Acotovelavam-se na estreita faixa de areia branca. Vinham em busca de luzes, mas não as do sol. E, sob os guarda-sóis, abrigavam-se de uma fina garoa na derradeira noite de 2006. Quando o relógio deu meia-noite, começaram os tiros, explosões. A fumaça subiu. Mas ninguém correu na cidade, que havia três dias vivia aterrorizada pela violência de arruaceiros organizados. Aqueles 20 minutos de estouros luminosos anunciavam 2007. Um novo ano, uma nova esperança de paz para um milhão de pessoas que foram assistir à famosa queima de fogos do Réveillon de Copacabana.

O filminho abaixo é para quem quiser ter um gostinho (em um minuto) do que foi o show de fogos.