quinta-feira, agosto 30, 2007

Divagações

O Globo acaba de publicar uma excelente série de reportagens sobre os brasileiros que continuam vivendo na ditadura. Foi uma semana com histórias horríveis de cidadãos que têm seus direitos civis tolhidos pela atuaçã truculenta de traficantes, parapoliciais e até mesmo da polícia (que, em tese, deveria lhes garantir o direito à cidadania).
De tudo o que foi publicado, a história que mais me marcou foi a de um adolescente que trabalhou para o tráfico, perdeu um fuzil na mão da polícia e teve de fugir do morro para não morrer. Foi parar num abrigo para testemunhas. Lá ele disse à repórter que tem a mãe dele como modelo de vida, depois de sair do tráfico. E contou que nos tempos do movimento, chegou um dia em casa em casa cheio de dinheiro no bolso, viu que as irmãs só tinham arroz para comer, pegou o dinheiro que ganhara dos bandidos e deu para a mãe comprar comida. A mulher rasgou o dinheiro na cara dele.
- Na época eu não entendia porque ela fazia aquilo, mas hoje vejo que ela estava certa.
O primeiro pensamento que me veio à cabeça, sem muita reflexão, ao ler essa história foi: "Porque essa mulher mora numa favela violenta e o Renan Calheiros é presidente do Senado?" Em seguida, refleti um pouco mais e a pergunta que gostaria de dividir com vocês é: vocês conhecem muitos diretores e executivos de empresas que seriam capazes de fazer algo semelhante? Recusar uma verba por não ser de fonte muito confiável?
Talvez a resposta para a segunda pergunta ajude a entender porque existem tantos Renans e mensaleiros. Mas esses executivos e diretores da iniciativa privada são os que pagam os anúncios que sustentam as grandes empresas de mídia. E, talvez por isso, a nossa imprensa livre prefira concentrar seu foco nos corrompidos e não nos corruptores.
Eu disse talvez, apenas. Se vocês tiverem argumentos contrários, por favor, postem em seus comentários. Este é um daqueles casos em que é preferível estar errado, porque estar certo significa perder a esperança.

quarta-feira, agosto 29, 2007

Rio Como Vamos

O empresário Oded Grajew começou seu discurso perguntando:
- Alguém sabe quais são as metas de educação da atual prefeitura do Rio para o fim do mandato? E para a saúde?
Silêncio no auditório da Federação do Comércio do Rio. Ele continuou:
- E as metas do governo estadual ou do federal? Vocês fazem parte de um público formador de opinião e não sabem. Simplesmente porque não existem metas. A gente não tem critérios técnicos para avaliar o desempenho dos nossos administradores públicos.
Com seu jeito calmo e cabeleira branca, Oded então explicou o principal objetivo daquelo grupo: inspirado no programa Bogotá Como Vamos, que em dez promoveu uma revolução social na capital colombiana, o Rio Como Vamos pretende criar critérios técnicos de análise e avaliação das gestões públicas. Oded estava ali como um pioneiro, já que participa do grupo que lançou movimento idêntico em São Paulo, chamado Nossa São Paulo, Outra Cidade.
Se tudo correr como na Colômbia, os parâmetros criados pelo grupo gerarão metas que os prefeitos terão de se desdobrar para cumprir. Sob pena de serem penalizados nas urnas. Em Bogotá, três administrações sucessivas de prefeitos de partidos diferentes deram continuidade aos projetos das gestões anteriores porque esse era o desejo expresso pela população.
- Esse programa estimula a democracia participativa. E é isso o que precisamos para mudar o jeito de governar no Brasil. Alguém aqui sabe qual é o orçamento da prefeitura do Rio para 2007? Pois é, enquanto nós continuarmos não nos preocupando com o orçamento, ele vai continuar ficando nas mãos de quem se preocupa com ele.
O Rio Como Vamos, assim como o seu inspirador colombiando e o primo paulistano, é um grupo apartidário, formado apenas pela sociedade. E a intenção é mudar a realidade que o Nossa São Paulo encontrou na pesquisa realizada pelo Ibope junto à população. A revelação foi feita por Oded:
- Sabem qual o maior sonho dos paulistanos, identificado na pesquisa? Que as coisas não piorem.

domingo, agosto 26, 2007

Diálogos imagiários

Casal no metrô, numa quarta-feira qualquer.
ELA: - Você não tem mais ciúmes de mim.
ELE (lendo o jornal): - O quê?
ELA: - Estou dizendo que você não tem mais ciúmes de mim.
ELE: - Ciúmes pra quê?
ELA: - Pra quê? Você não valoriza a mulher que tem?
ELE: - Claro que valorizo. Mas você não me dá motivo.
ELA: - Não precisa ter motivo. Quem gosta, cuida, tem ciúmes...
ELE: - Eu confio em você.
ELA: - Óbvio que confia, mas mesmo assim devia ter ciúmes...
ELE: - Eu confio no meu taco.
ELA (bufando): - Vocês homens, não entendem nada mesmo.


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Outro dia, outro casal. Na mesa de um café.
ELE: - Esse cara tá te dando mole.
ELA: - Pára com isso. Eu não aguento esse seu ciúmes.
ELE: - Não é ciúmes, é real. Esse cara tá te dando mole.
ELA: - Você sabia que isso é insegurança sua? Você devia confiar mais em mim.
ELE: - Em você e confio. Não confio é nesse cara.
ELA: - E em você? Você não confia no seu taco?
ELE: - Claro que confio. Isso não tem nada a ver comigo. Tem a ver com esse babaca que tá te cantando na maior cara-de-pau.
ELA: - Olha, só vou avisar uma coisa. Ciúmes é uma coisa muita chata, que cansa, e quando isso acontece, já era, viu. Não tem mulher que aguente.

domingo, agosto 19, 2007

Miniconto: Sofisma

A verdade inegável é que: toda frase que pretende conter uma verdade absoluta é necessariamente falsa. Inclusive esta.

quarta-feira, agosto 15, 2007

O amor em três atos (e um entreato)

Primeiro ato
No início era a palavra. Escrita. Em frases curtas. Bem construídas. Concisas. Como mandam os manuais. Nos caminhos bem pavimentados por vírgulas, pontos e pausas, nos conhecemos. Ela escrevia; eu reescrevia. Nasceu a admiração.

Segundo ato
Depois veio a voz. Jovem, segura. Transportada por ondas eletromagnéticas que corriam em fios de uma rede enigmática. Eu perguntava; ela respondia. E novos textos nasciam. Mais mistério, mais admiração.

Entreatos
Longos cabelos ondulados flutuando numa sala envidraçada que não era minha. Eu estava de passagem, só a vi de relance, de costas ainda por cima. Mas já sabia sem saber. Só podia ser.

Terceiro [e último (ou seria primeiro?)] ato
Fulminante como... não achei palavra até hoje. O que seria? Meu espaço vital invadido por um olhar. Inocente. Sem intenção. Fazendo contato com a minha essência. Disparando adrenalina. Deixando marcas. Prazer. Todo meu. Não havia o que fazer. Nem pra onde correr.

Só depois de muito, muito tepo, viria o primeiro beijo.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Segredos Cariocas: Doces Portugueses

Quem vê a fachada de azulejos não imagina as delícias por trás da porta de vidro canelado. Lá dentro Don Rodrigos dividem uma minúscula estufa com Toucinhos do Céu, Fatias de Braga, Bem Casados, Camafeus e Trouxas d'Ovos. Todos em bandeijas recém-saídas dos fornos na cozinha ensolarada que a porta atrás do balcão esconde. A responsável por esta maravilha feita com açúcar orgânico é dona Alda Maria Talavera Campos, uma doceira de mão cheia que há 12 anos deixou Pelotas, no Rio Grande do Sul, para difundir as receitas de família de doces portuguesas no casarão de Santa Tereza. Ela mesma nunca esteve em Portugal. Mas nem precisava. Seus doces deixam qualquer Confeitaria Colombo na saudade. Bom, como já contei o milagre, aí vai o santo: o endereço da dona Alda é Rua Almirante Alexandrino 1.116. E ela tem site também: http://www.aldadocesportugueses.com.br/.

domingo, agosto 12, 2007

Divagações literárias

Desde criança, ler e escrever eram minhas diversões preferidas. Aos 12 anos eu já juntava o dinheirinho da mesada para comprar livros nas prateleiras da rede francesa de supermercados. E nas aulas de redação da escola, era sempre o primeiro a me oferecer para ler as composições na frente da sala. Nada mais natural, portanto, que superada aquela fase da infância em que a gente quer ser herói quando crescer (bombeiro, policial, médico ou qualquer coisa que salve a vida alheia), eu tenha começado a acalentar o sonho de ser escritor.
Todo mundo achava que eu estava ficando maluco, ia morrer de fome no Brasil onde, pelo visto, só eu gostava de ler. E o pragmatismo me arrastou para o jornalismo, essa sim uma profissão, com diploma universitário, carteira assinada e tudo. Encarei como meu destino e passei os últimos 17 anos nadando no que a língua portuguesa tem de mais medíocre. Quanto mais os anos passavam e mais postos de chefia eu galgava, menos eu escrevia e menos eu lia. Minhas duas diversões preferidas haviam se transformado em obrigações.
Um pouco por isso nasceu este blog. Como uma última trincheira do prazer de escrever ou, quem sabe, um tímido suspiro na direção daquele sonho de virar escitor...
Toda essa divagação só para falar do texto revelador da minha amiga Anna V., em seu blog Terapia Zero, que eu acho que todos vocês, amigos da Casa da Lagoa com pretensões literárias, deveriam ler. Não se trata de desanimar ninguém, mas de estimular o debate criativo para romper com os paradigmas. Leiam lá. Vocês não se arrependerão.

O algodão doce da Ritinha

Eu sei que a Rita Apoena não chega a ser novidade, é já um clássico dos blogs. Mas não resisti à tentação de indicar, aos amigos que visitam esta Casa da Lagoa, o post sobre o algodão doce. Leiam. Aliás, leiam o blog inteiro... É um sonho.

quarta-feira, agosto 08, 2007

Máscaras de oxigênio cairão sobre suas cabeças

Talvez porque tenha começado a voar muito cedo, com meu pai, jamais tive medo de avião. Monomotor em garimpo, bimotor em tempestade amazônica, turbo-hélice no interior do Paraná, Boeing, MD-11, A320... Só não voei de asa-delta até hoje, porque não tem motor. E sempre desdenhei a quem confessava insegurança, exibindos aqueles argumentos de prateleira: "atravessar a rua é mais perigoso, você tem mais chances de morrer de câncer de pele, etc.".
Na última terça, passei pelos escombros do prédio implodido quando chegava a Congonhas para tomar mais uma ponte-aérea. Fiquei lembrando daquela montanha de entulho no saguão vazio do aeroporto, onde fiz meu check-in sem fila pela primeira vez em anos. Embarquei no horário, sem atrasos, e já dentro do avião, tive vontade de perguntar à gentil comissária que exibia seus gestos ensaiados antes da decolagem:
- Pra que esse circo todo, com máscaras fictícias, portas de emergência sobre as asas e cinto de segurança? Nada disso vai funcionar se esta geringonça cair...
De repente, dei-me conta da fragilidade da situação. E pela primeira vez senti medo dentro de um avião.

quinta-feira, agosto 02, 2007

Miniconto: Confissões

Sentado de frente pra ela, ele admitiu:
- Tá bom, já fiz muita coisa errada nessa vida. Mas se tem uma em que acertei em cheio, foi ter conhecido você.