quinta-feira, outubro 26, 2006

Mágicos? Todos somos.




Tirei essas duas fotos ontem, andando pelo calçadão de Nova Iguaçu.

Na primeira, o tiozinho apresentava um desentupidor de pias Destop. Mágico. É só encher de água, acoplar ao ralo e...pronto. Seus problemas estão resolvidos com 3 ou 4 bombeadas. Na segunda, o cara mostrava uma serrinha de bolso que corta vidro, azulejo e o que mais você quiser. Corte na medida certa.

Todo dia tem um Copperfield novo em Nova Iguaçu. Mágicos da rua, que seduzem e divertem quem passa com as suas engenhocas. Há uma para cada um dos seus problemas.

Eu mesma comprei uma dessas outro dia: um furador de coco. Estou maravilhada. Economizo 5 minutos para cada coco que abro. Como sou movida a coco e abro um por dia, são 35 minutos economizados cada semana. 2h20 ao final de um mês! Dá pra dar uma volta inteira na Lagoa...

Desde que descobri o furador de coco estou ainda mais certa de que um dos maiores dons do ser humano é a criatividade. Somos todos meio mágicos. Nascemos para criar.

O negócio é que, presos ao rolo compressor do dia-a-dia, acabamos deixando de lado a varinha de condão. Fora aqueles que nem têm a chance de descobri-la... Quanto desperdício! Imagina se todo mundo colocasse os miolos pra funcionar para acabar com as pobrezas do mundo...........

terça-feira, outubro 24, 2006

Incompreensão

Foi de cortar o coração.
Eles embarcaram no primeiro ponto depois do Túnel Rebouças, sentido centro, sob o Viaduto Paulo de Frontein. Pai, mãe, dois filhos. Todos bem vestidos, arrumadinhos, os garotos de boné enterrado na cabeça. Ônibus já em movimento, o pai foi erguendo um dos garotos para passar sobre a roleta. O cobrador invocou:
- Quantos anos ele tem?
O pai pressentiu a humilhação. Olhos baixos, tenso, disse a verdade:
- Sete anos.
- Sete anos tem que pagar passagem. Tá na lei. Olha o papel aí na sua frente - apontava um adesivo colado num dos vidros.
- Tem de pagar? - o pai perguntou, rosto carregado, depois de um breve silêncio constrangedor.
Não regateou, não esbravejou, não tentou o jeitinho.
- Pede pro motorista parar e abrir aí na frente - tentou dizer no tom mais baixo que conseguiu, com vergonha de que todos percebessem o que estava acontecendo.
O ônibus encostou, a família desceu pela frente. Fiquei olhando aquele pai de família, cabeça baixa, olhando para o chão, humilhado por não ter dois reais para pagar uma passagem para o filho. Não era um espertalhão tentando dar um golpe na companhia. Era apenas um pai de família, desempregado provavelmente, sem dois reais para pagar a passagem do filho. No rosto dos meninos, estava estampada a incompreensão. O que estava acontecendo? Pareciam não entender o que estava acontecendo.
O ônibus arrancou, deixando a família a pé, sob o viaduto.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Não é biscoito

Deu n'O Globo, aquele que não é biscoito (e a prova está no link do título).
Uma publicitária de 31 anos e o irmão dela, vendedor, saíam de uma festa infantil com o filho dele, de 5 anos, e passaram na Tijuca para buscar uma sobrinha, de 14 anos. Quando pararam para pegar a menina, por volta de 21h40, foram abordados por dois homens armados.
A família foi feita refém, um dos bandidos assumiu a direção do Astra preto enquanto o outro embarcou no banco traseiro, com as duas crianças e o vendedor. O bandido entrou na rua Conde de Bonfim e quando pegava a Avenida Melo Matos, cinco minutos depois, foi alertado pelo dono do carro de que a área era perigosa.
O vendedor pressentia que o impossível pode e às vezes acontece. Poucos metros depois de entrar na avenida, o Astra foi fechado por um Peugeot branco e dele desceram três homens armados. Era um assalto. Um segundo assalto. O assalto do assalto!
O bandido ao volante argumentou que já estava "puxando" aquele carro. O bando do lado de fora não quis saber de coleguismos. O ladrão-motorista foi arrancado do veículo e o comparsa fugiu levando bolsas, carteiras e celulares. O novo bando assumiu o carro e liberou a família.
Informado do caso, o comandante do 6º Batalhão de Polícia Militar disse que nunca tinha visto algo assim em toda a sua carreira de policial. Mas alegou que a área onde ocorreram os dois assaltos não é problemática.
Só para informação do tenente-coronel, foi o quinto assalto sofrido pela publicitária na região em dois anos. O último aconteceu no Dia dos Pais, em agosto. Mas a culpa deve ser mesmo do acaso. Afinal, só ontem foram registrados nove roubos de veículos na via expressa da Linha Amarela. E o Rio de Janeiro continua lindo...

domingo, outubro 22, 2006

Olhar Estrangeiro e Piauí

Mesmo quem não gosta de documentários tem boas chances de se divertir assistindo a "Olhar Estrangeiro", de Lucia Murat. A proposta da diretora é simples: expor os clichês patéticos dos filmes estrangeiros que retratam o Brasil. Mas não apenas ao público; ela leva as fantasias estapafúrdias aos diretores, roteiristas e atores que participaram das produções, pedindo explicações. O resultado revela a ignorância e a arrogância com que a indústria do cinema trata a informação que espalha pelo mundo.
Dois exemplos para incentivar, só para dar um gostinho. Um dos filmes americanos que Lúcia pesquisou mostram o Rio quase como os portugueses o encontraram: com todas as cariocas de topless para cima e para baixo. Em plena década de 80! Numa outra fita francesa da mesma época, Roberta Close faz ponta. O diretor encantou-se com sua beleza quando chegou ao Rio e a convidou para o elencon sem saber que ela era homem.

***
Pegando carona, não deixem de ler o ensaio de Roberto Pompeu de Toledo, entitulado "Papagaio", na edição número 1 da revista Piauí. Vale muito mais do que as aulinhas de sociologia da universidade. Aliás, a revista inteira é um achado para quem gosta de ler e de pensar.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Entrevista com o Cristo Redentor

Pouca gente sabe, mas o dia 12 de outubro, além ser das crianças e da Padroeira do Brasil, também marca o nascimento de um dos maiores ícones da fé em todo o mundo: o Cristo Redentor. Este ano ele completou 75 anos e, para comemorar, recebeu o blog A Casa da Lagoa com exclusividade para a seguinte entrevista.

A CASA DA LAGOA - O senhor está completando 75 anos de braços abertos. Como foi passar esse período todo aí sobre o Corcovado?
CRISTO REDENTOR - É irmão, não foi fácil não...

CL - "Irmão"? Como assim, o senhor também aderiu à gíria dos bandidos?
CR - Que gíria? Somos irmãos, todos filhos de Deus, esqueceu?

CL - Ah, entendi. Mas o senhor estava dizendo que não foi fácil...
CR - Exatamente. Você acha que é brincadeira passar todos esses anos de braços abertos? Sabe quanto pesa cada braço meu? 57 toneladas. E cada mão mais 8 toneladas! É um esforço e tanto. E nunca posso descansar um segundo, porque isso aqui tá sempre cheio de gente, helicóptero voando em volta com turistas tirando fotos... Não dá pra abaixar os braços nunca.

CL - O senhor recebe muitos cariocas todos os dias?
CR - Vamos esclarecer. Eu recebo muitos visitantes todos os dias, mas cariocas são poucos. Quase não vem carioca aqui não.

CL - Como assim?
CR - Você já viu quanto estão cobrando para subir até aqui? R$ 36 por pessoas. Ainda bem que eu nunca desço, ou na volta teria de levantar ainda mais os braços. Esse preço é um assalto! Cobrando tudo isso, só aparece estrangeiro por aqui.

CL - O senhor está no Morro do Corcovado, a 710 metros de altitude, com a melhor vista da cidade. Isso tem um preço, certo?
CR - Tem mesmo. Você conhece bem o Rio de Janeiro? Se conhece, sabe que aquela história de que aqui não faz frio não é bem assim. No inverno, este morro é o lugar mais gelado da cidade. Já no verão, é um calor insuportável, um verdadeiro inferno aqui em cima, com o perdão da palavra. Fora as vezes em que eu fico com a visão encoberta pelas nuvens. Já virou até bordão entre os cariocas. Quer saber quando vai chover? Olha para o Cristo. Se estiver encoberto... Ou seja, aqui é o primeiro lugar em que começa a chover. Não é fácil ficar plantado aqui em cima...

CL - Bom, mas o senhor está de frente para uma das vistas mais lindas do mundo.
CR - A vista da Baía de Guanabara, com o Pão de Açúcar? Até já enjoei, pra dizer a verdade. Prefiro aqui do meu lado direito, com a Lagoa Rodrigo de Freitas, Ipanema e Leblon. À minha esquerda fica o centro com todas as suas favelas e misérias. É pra lá que eu deveria olhar mais.

CL - No Centro também tem o Sambódromo. O senhor consegue assistir ao Carnaval aí de cima? Ou não pode por causa da nudez feminina?
CR - Consigo sim. Esse negócio de mulher pelada é bobagem. Passa até na novela das oito, não vou ver no Sambódromo? Agora, vou te confessar uma coisa: lá pelas 4 da manhã, começa a encher um pouco essa batucada. Podia acabar um pouco mais cedo pra me dar um sossego. Carnaval é fogo, meu irmão. A cidade enche de turista, isso aqui não pára. Fica lotado o dia todo. E à noite, é só batucada. Não tem Cristo que agüente.

CL - Por falar em Carnaval, o senhor já foi motivo de polêmica no Sambódromo quando tentaram usar sua imagem e a sua igreja reclamou...
CR - Alto lá. Como assim "minha igreja"?

CL - A Igreja Católica Apostólica Romana...
CR - Essa igreja não é minha. Eu nasci e morri judeu. Quem mudou minha religião foi o Simão, depois que eu tinha morrido, sem nem me consultar...

CL - O senhor quer dizer Pedro? Foi Pedro quem fundou a Igreja...
CR - Viu só? Ele mudou até o nome dele. Tinha mania dessas coisas. Aí fundou essa Igreja nova e eles se apoderaram da minha imagem. Não concordo com nenhum tipo de censura.

CL - Já que o senhor é contra a censura, não vai se negar a nos dar suas medidas. Até que o senhor está bem para quem tem 75 anos...
CR - Vamos lá: tenho 30 metros de altura e estou sobre um pedestal de mais 8 metros. Mas não me venha com essa de salto alto. Meu peso total é de 1.145 toneladas. Tá bom, pra minha altura.

CL - Para encerrar, o senhor afinal vai ou não voltar à terra?
CR - Irmão, eu estou aqui parado há 75 anos, com toda essa altura que acabei de revelar, e as pessoas nem prestam atenção em mim. Pagam esse dinheiro todo para subir e ficam fotografando a vista. No máximo apareço na paisagem das fotos de uns turistas que imitam minha posição, de braços abertos. Agora, se aqui em cima, com todo esse tamanho, ninguém olha pra mim, imagina se eu voltar como algum deficiente desses que se arrastam pedindo ajuda nos trens do subúrbio, ou como um morador de rua maltrapilho? Ninguém vai acreditar que sou eu. Fala a verdade: se eu aparecesse no Largo da Carioca barbudo, de túnica, dizendo "sou Jesus Cristo, voltei para salvá-los", blá, blá, blá... Você ia acreditar em mim? Duvido. Melhor ficar quietinho aqui no meu Corcovado.

terça-feira, outubro 10, 2006

Uma questão de perspectiva

Conforme eu havia prometido há algumas semanas, segue a história por trás da foto. No caso, devidamente ilustrada. Uma prova de que beleza é uma questão de perspectiva.


1 - Favela do Vidigal - Com cerca de 10 mil moradores amontoados aos pés do Morro Dois Irmãos, é uma das favelas com vista mais bela do Rio de Janeiro. Ela começou a surgir na década de 40 e leva o nome do antigo proprietário das terras, o major de milícias e cavaleiro da ordem imperial Miguel Nunes Vidigal, que ganhou o terreno de monges beneditinos. A explosão demográfica aconteceu nos anos 60, junto com o crescimento do Leblon. Desde 2002, os bandidos que controlam o tráfico de drogas aqui estão em guerra com os rivais da Rocinha. As últimas batalhas aconteceram no início deste ano, em território da Rocinha (veja número 3).

2 - Morro dois Irmãos e Pedra da Gávea - Dois exemplos típicos da generosidade do Criador com esta cidade. A Pedra da Gávea é ponto turístico conhecido, base de lançamento de asas-delta. O Dois Irmãos também é famoso. Já deu nome à música de Chico Buarque (o compositor é morador de suas encostas, no Alto Leblon) e atualmente aparece na abertura da novela Páginas da Vida, de Manoel Carlos, outro morador ilustre da região. Aliás, na abertura, você só não vê o Vidigal (leia número 1) porque a emissora providenciou uma folhinha que cai bem daquele lado. Será que era para esconder a favela???

3 - Favela da Rocinha - Já foi vendida como a maior favela da América Latina, com 200 mil habitantes! Exagero. O Censo de 2000 do IBGE diz que ela tem em torno de 50 mil (ah, então tudo bem). Surgiu por volta de 1930, com a ocupação de terras que pertenceram a um antigo Engenho de Açúcar. Os invasores haviam sido expropriados pela crise do café, de 1929, e lotearam o espaço em pequenas chácaras. Ali fizeram roças, cuja produção vendiam aos moradores do Leblon. Daí a origem do nome. Sua explosão demográfica aconteceu nos anos 50 e 60, quando o boom imobiliário em Ipanema e Leblon abriu milhares de empregos na construção civil - e milhares de nordestinos se mudaram para o local mais próximo em busca desses empregos. Também é controlada pelo tráfico de drogas e perdeu 10 'soldados' no último confronto com o Vidigal.

4 - Lagoa Rodrigo de Freitas - O espelho d'água de 2,2 quilômetros quadrados é belíssimo e atrai milhares de pessoas à ciclovia que a circunda nos finais de semana. Gente correndo, andando, pedalando nos 7,8 quilômetros de sua circunferência. Infelizmente, seus 6.200.000 metros cúbicos de água recebem diariamente dejetos domésticos que chegam pelas águas dos seus três afluentes, os rios Cabeça, Rainha e dos Macacos. O Estado jura que interrompeu o despejo de esgotos, mas a proliferação de algas e a mortandade esporádica de peixes não deixam dúvidas de que, de alguma maneira, o esgoto ainda chega em natura às suas águas.

5 - Edifícios de alto padrão do Baixo Gávea - Um dos bairros mais valorizados do mundo, com belos prédios que abrigam o topo da pirâmide de renda do IBGE. O contra-luz esconde, mas estão logo abaixo da Rocinha. Aliás, o Rio de Janeiro desmente a expressão criada por Elio Gaspari: aqui, o 'andar de baixo' fica em cima.

6 - Turistas no pedalinho - Finalmente, um casal de turistas pedalando tranquilamente na Lagoa, assistindo ao romântico pôr-do-sol, curtindo a ilha da fantasia, indiferente à toda essa chatice aí de cima.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Paz e compaixão

Eles vieram de longe, envoltos em suas vestes vermelhas e as cabeças raspadas. No entardecer rosa, emoldurados pelas montanhas verdes da Serra da Mantiqueira, entoaram seus mantras incompreensíveis ao vento que teimava em apagar as velas da cerimônia. Sem pressa, acalmaram a ansiedade de todos os convidados vestidos de branco. Sem falar uma palavra em português, trouxeram do Tibet um sentido para aquela união: sob a benção do Budismo, o jovem casal passava a simbolizar a paz e a compaixão de que o mundo tanto precisa. Que vivam a paz, a compaixão, e que as espalhem pelo mundo. Foi a única coisa que lhes pediram os monges, a eles e a todos os convidados. Vivas à paz, vivas à compaixão, vivas aos noivos.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Diário de Naná


Fechei o Festival de Cinema do Rio, na última quinta-feira, assistindo a um primor de filme: "Diário de Naná". A história surgiu quando o pernambucano Naná Vasconcelos foi convidado, em 2005, a fazer uma viagem pelo Recôncavo Baiano em busca da música sagrada e do sagrado da música. Que espetáculo.
A fotografia de Jay Yamashita é primorosa (note a luz na cena em que Virgínia Rodrigues canta, acompanhada por Naná, no porão do Mercado Modelo, em Salvador). E o filme de Paschoal Samora voa em 60 minutos e termina despretensioso, mas deixando um misto de quero mais, uma emoção no ar que eriça a pele, arranca lágrimas.
Saí bagunçado com a possibilidade de ver ali, em technicolor na tela grande de um cinema do Centro do Rio, como eu não conheço o Brasil. E como esse Brasil são vários e tão profundos, místicos e secretos, que jamais poderei conhecê-los todos. Mesmo que pisasse nas pegadas de Naná pelo Recôncavo, não ouviria aqueles sons, não abriria aquelas portas. É tocante.