quinta-feira, novembro 23, 2006

Não é biscoito

Deu no Globo, aquele que não é biscoito. Dois bandidos numa bicicleta mataram ontem, com um tiro na cabeça, uma senhora de 58 anos que estava parada no cruzamento entre as avenidas General San Martin e Afrânio de Melo Franco. A bala entrou pelo rosto e saiu pelo alto da cabeça. Mesmo ferida, ela conseguiu movimentar sua Mercedez ML 500 por cinco metros. Socorrida pelos bombeiros, morreu pouco depois na emergência do Hospital Miguel Couto. O crime ocorreu a 350 metros do 14º Distrito Policial. Segundo a filha, que estava no carro, os bandidos teriam disparado porque ela demorou a tirar o relógio que levava no pulso. O crime mereceu uma página do jornal hoje e deve render mais pelos próximos dias porque:
  1. A vítima era branca;
  2. A vítima era rica - divorciada do dono de uma gigante da metalúrgia;
  3. O crime aconteceu no Leblon, o mesmo das novelinhas do Manoel Carlos.

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Também deu no Globo, o mesmo que não é biscoito. Um jovem motociclista foi morto por policiais quando abordava um taxista. Os PMs pensaram que ele fosse assaltar o táxi, mas na verdade ele estava pedindo ajuda para socorrer o pai, que acabara de sofrer um derrame. O pai acabou sendo socorrido por um vizinho, mas morreu a caminho. Quando chegou ao hospital com o corpo do marido morto, a mãe soube que o filho havia sido assassinado por policiais e teve um enfarte. Não morreu, pelo menos na hora. Mas até hoje não sei o que aconteceu com ela porque, apesar desta tragédia ter acontecido no dia 3 de novembro, nunca mais deu nada no jornal. Afinal:

  1. O rapaz era negro;
  2. Era pobre - usava a moto, financiada pela mãe, para entregar pizza;
  3. O crime aconteceu na entrada da Favela do Jacarezinho, onde a vítima morava, lugar que não aparece nas novelas do Manoel Carlos.

Algum dos ilustres amigos jornalistas tem idéia de por que a nossa imprensa é tão parcial e preconceituosa?

domingo, novembro 05, 2006

Gaza com sambão

Domingo, 5 de novembro de 2006, 16h15.
O combate começou há cerca de 20 minutos. Nossa posição fica bem no meio do fogo cruzado, aparentemente trocado entre os morros da Providência, de São Carlos e do Santo Cristo. Ninguém sabe a razão da troca de tiros.
Tiros esporádicos não são novidade na região. Mas um combate tão longo é novidade para todos aqui, inclusive para os que trabalham há mais tempo. Protegido apenas por um telhado de amianto, o grupo acompanha as seqüências de tiros de repetição com um misto de apreensão e surpresa. Os que chegam para trabalhar correm assustados pelo pátio aberto até entrar no prédio. Todo mundo tem medo de bala perdida.
A única coisa que nos faz ter certeza de que não estamos no meio de um combate no Iraque ou na Faixa de Gaza é o som de fundo. Um samba-enredo pesado. Hoje é dia da escolha do samba vencedor da Escola Estácio de Sá para o Carnaval 2007, e a quadra fica bem atrás da gente.