quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Tapa na cara

Christian Pierre Doupes, de 38 anos, Delphine Douyère, de 36, e Jérôme Faure, de 42, franceses, moravam no Brasil há mais de 12 anos. Fundadores da ONG Tarr'Ativa, dedicavam suas vidas a ajudar menores de rua. Tinham programas que usavam o esporte e a cultura para tirar as crianças do caminho das drogas e do crime. Um dos maiores orgulhos da ONG era Társio Wilson Ramirez, de 25 anos.
Társio vivia nas ruas de Copacabana quando Delphine o conheceu. Incluído nos programas do grupo, conseguiu se recuperar e começou a trabalhar para a ONG, na Rua Ronald de Carvalho, no mesmo bairro. Ontem, Társio assassinou os três franceses a facadas, com requintes de crueldade, no escritório que dividia com eles. Matou porque havia sido descoberto por Jérôme desviando fundos da entidade que o tirara das ruas. Havia roubado R$ 80 mil. A vida de cada um dos franceses valia menos de R$ 27 mil para Társio.
Delphine era casada com Christian e os dois deixaram um filho, Max, que havia completado dois anos no domingo.
Mais um crime que choca a cidade e o mundo. E que coloca mais lenha na fogueira dos debates sobre pena de morte, redução da maioridade, capacidade de recuperação de infratores e etc. Os franceses são apenas mais três no incrível número acumulado pelo Rio Body Count no curto mês de fevereiro. Confira:

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Tão perto, tão longe

A mulher gorda vê nas páginas da revista um mundo fora do alcance de sua vista.
Pela janela desfila a paisagem suja do Estácio. Com seus camelôs barulhentos esgoelando o pão que vai matar a fome das boquinhas desdentadas em casa; com suas peruas envoltas em névoas de óleo queimado; com seus letreiros de plástico gordurento nas portas dos bares desbotados; com suas calçadas esburacadas carentes de verde.
A cabeça da mulher balança para cima e para baixo no ritmo das sacudidelas do ônibus; move-se da esquerda para a direita conforme ela avança nas linhas.
Na página, um enorme caranguejo rosado sobre um fundo azul profundo de Photoshop ilustra um título discreto em letras brancas: "A natureza vista de perto".

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

A Inevitável História de Letícia Diniz

Acabo de ler o livro cujo título emprestei para nomear este blog. Escrito por Marcelo Pedreira e editado pela Nova Fronteira, se passa na Lapa carioca e Letícia Diniz é um travesti que faz programas na boca do lixo. Para escrevê-lo, o autor internou-se durante quase um ano no bairro, entrevistando dezenas de bonecas. Além de muito bem escrito, o livro tem o inquestionável mérito de enxergar heróis onde a moral estabelecida só vê repugnância; seres humanos onde a sociedade só vê lixo. Perfeito para um mundo que precisa aprender com urgência a aceitar todos os tipos de diferenças.

domingo, fevereiro 25, 2007

Mais sobre milícias

Em dezembro do ano passado, a deputada federal Marina Magessi, então inspetora de polícia do Rio, deu a seguinte declaração ao jornal O Globo:
- Todo rico tem segurança privada. E o dono da segurança é um coronel ou delegado que subcontrata os praças. A segurança dos pobres é a milícia.
De fato, as milícias que tomam os morros e sobre as quais versa o post anterior são uma versão mais agressiva das empresas clandestinas de segurança que se popularizaram nas ruas das classes média e alta nos anos 90. A rua onde ficam as instalaçãoes físicas desta Casa da Lagoa, por exemplo, é guardada 24 horas por seguranças contratados por uma empresa chefiada por um major da PM que quase todo dia passa, fardado, para dar orientações aos seus funcionários. Sem o menor constrangimento.
A diferença: no bairro dos ricos, eles não ameaçam diretamente quem não paga. Mas quem vai ter coragem de cancelar o serviço? Afinal, os praças (que durante a noite tiram profundos cochilos nas guaritas, incapazes de guardar a si próprios) conhecem a rotina dos moradores.
Recebendo pagamento por fora, os policiais conseguem fazer o trabalho que são incapazes de realizar como agentes pagos pelo Estado: manter a violência afastada. Se eles conseguissem cumprir a missão como agentes do Estado, não poderiam cobrar por fora.
A violência só aumenta porque se transformou num grande negócio, explorado até por quem deveria combatê-la por ideal. Será que é por isso que a gente fica com aquela impressão de que a polícia não faz nada quando somos obrigados a registrar uma ocorrência na delegacia?

sábado, fevereiro 24, 2007

Bogotá-Rio

A caminhonete preta Hillux, 4X4, foi intercepetada por um astra também preto numa rua calma do Recreio dos Bandeirantes no meio da tarde da última quinta-feira. Quatro homens desceram armados de pistolas e fuzis (FAL e AR-15, provavelmente) e despejaram 46 tiros sem pronunciar palavra. Ao volante, o inspetor Félix dos Santos Tostes, 49 anos, 18 deles dedicados à Polícia, morreu com 40 tiros.
Tostes havia sido afastado no dia 30 de janeiro, sob a acusação de chefiar a milícia que vende segurança na Favela de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, zona Oeste da cidade.
No governo passado, ele servira no gabinete do chefe da Polícia Civil. Em setembro de 2006, inclusive, fora condecorado pelo delegado-chefe à época, Ricardo Hallak, com a medalha de Honra, Fidelidade e Devotamento da corporação. Governo novo no poder, o discurso na Secretaria de Segurança mudou. Agora é preciso combater as milícias como a que, segundo as denúncias, era chefiada por Tostes e o condecorado inspetor foi afastado.
O crime é mais uma prova da proporção que estão tomando as milícias no Rio de Janeiro. Verdadeiras organizações paramilitares, elas se propõem a fazer o papel que caberia à Polícia: acabar com o tráfico e o consumo de drogas nas comunidades pobres. Com a conivência da corporação, os grupos armados invadem as favelas e expulsam os traficantes. Depois, passam a cobrar dos moradores pela segurança que oferecem.
Os milicianos impõem-se pelo terror. Executam pessoas acusadas de colaboração com traficantes em julgamentos sumários e ameaçam pais de menores flagrados com drogas. Além da segurança, cobram taxas extras pelas instalações de TV a gato e pelo comércio de gás.
Repletas de policiais civis, militares e bombeiros, as milícias já dominam 92 favelas na cidade, segundo levantamento da subsecretaria de inteligência da Secretaria de Segurança. Garantem rendimento extra aos mesmos policiais que deveriam combatê-las. Por isso, encontram caminho livre. Quando traficantes tentam retomar as favelas, a polícia aparece para combatê-los; mas jamais tentou impedir a tomada dos morros pelos milicianos.
Milícias e empresas clandestinas fazem parte do movimento de privatização da segurança que não é novo, nem apenas um fenômeno carioca. No Rio, porém, a coisa começa a tomar forma de guerrilha. As milícias crescem e se fortalecem com a conivência do Estado; quando as autoridades decidirem combatê-las, corremos o risco de mergulhar numa guerra civil.
Foi exatamente assim com as Autodefensas Unidas de Colômbia, há exatos 40 anos. Basta olhar para a situação atual do país para entender do que eu estou falando.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Na Corte de Momo - Parte II

A quarta-feira de cinzas no Rio teve um quê de final de Copa do Mundo. Cheguei para trabalhar com as ruas desertas, um ou outro resto de carro alegórico pelos cantos. Na redação, os maravilhados (adjetivo para quem nasce na Cidade Maravilhosa) pararam de trabalhar pontualmente às 15h45, para vibrar e discutir, eufóricos ou exaltados, a cada "DEZ, NOTA DEZ!" anunciado pela voz grave do locutor oficial das apurações do Grupo Especial das Escolas de Samba do Rio. No fim, ganhou a Beija-Flor, presidida pelo empresário do jogo Aniz Abrão David, o Anísio.
Só para registrar: o carnaval dos bicheiros na Sapucaí custou R$ 58, 5 milhões. Mais do que o Governo Federal gastou em 2006 para combater a malária e a dengue (R$ 51,9 milhões); o triplo do que foi gasto com inteligência de segurança (R$ 19,1 milhões) e mais do que o dobro do que foi gasto por Lula com a Educação Infantil (R$ 26,5 milhões).
As informações são da coluna de Ancelmo Gois n'O Globo.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Na Corte de Momo

Em 2005 eles fizeram um breve ensaio de caixas e bumbos. No ano passado, já mostraram força de bateria, mas ainda um pouco acanhados. Esvaziados, talvez, pela desconfiança escaldada do carioca. Este ano, porém, mostraram que o projeto de retomada do carnaval do Rio como festa popular veio para ficar. Mais de 40 desfilaram nos quatro dias de carnaval, sem contar os que saíram antes do início oficial da festa. 2007 foi o ano dos blocos de rua.
O fenômeno é antigo, mas caiu em desuso com a escalada da violência nas décadas de 80 e 90. Nos anos tristes, apenas os tradicionais saíam, mas poucos foliões venciam o medo de se expor numa festa gratuita, aberta a qualquer um. O resto dos cariocas, sem ter como pagar algumas centenas de reais pelos ingressos do Sambódromo, assistia ao carnaval luxuoso dos bicheiros pela televisão.
Os blocos representam a antítese da Sapucaí, onde só se divertem os turistas que podem pagar caro por fantasias exorbitantes; nos blocos, qualquer um participa. Basta ter animação. Nem fantasias, nem samba no pé são exigidos. Tampouco é preciso muito dinheiro ou talento para organizar um bloco. O princípio é simples: um grupo de amigos com alguns instrumentos de percussão se apropria de um pedaço do espaço público e toca velhas marchinhas de carnaval (daquelas que, por alguma decadência criativa, não são mais compostas no Brasil); ninguém paga nada pra ouvir velhas músicas e logo surge um grupo de foliões despreocupados sambando na frente dos músicos. Alguém inventa um nome engraçado e está formado o bloco.
Os nomes dão o toque de irreverência da festa. Alguns tradicionais são o Imprensa que Eu Gamo, o Cordão do Boitatá (que reuniu 6 mil pessoas este ano na Praça XV), o Bola Preta (puxou 200 mil pessoas pela Avenida Rio Branco, da Cinelândia à Presidente Vargas) e a Banda de Ipanema; outros são conhecidos mais pelos cariocas como o Simpatia É Quase Amor, o Que Merda é Essa?, o Bangalafumenga, o Carmelitas e o Céu na Terra.
Com tanta variedade, vários desfilaram de manhã para impedir superlotação. Mas se enganaram. Mesmo os que desafiaram o sol no carnaval mais quente dos últimos anos ficaram lotados. (Mereceram até atenção da querida M., do Le Bal Masqué, que honrou a Casa da Lagoa com sua visita).
Um belo sucesso para um movimento que renasceu tímido no início desta década e, carnaval após carnaval, ganha espaço. As pessoas foram percebendo, nos últimos anos, que não aconteciam arrastões, confusões, brigas ou mortes. Impera uma espécie de armistício informal na guerra urbana: onde soam os tambores, ninguém faz ataques organizados. No máximo um punguista ou um ladrãozinho barato, nada que nunca tenha existido em qualquer aglomeração de gente.
No mais, a divisão social na Corte de Momo segue à risca a regra das praias: pretos e pobres, em geral, garantem a sua fatia raquítica do PIB nacional debruçados sobre geladeiras de isopor repletas até a boca com o gelo e a cerveja que rega festa dos brancos fantasiados. Quem pode gastar algum se diverte; quem não pode fatura.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Rio Body Count

A morte do menino João Hélio, tema do post anterior, continua monopolizando as emoções no Rio. Com justa razão. Os requintes de crueldade narrados pela mãe na entrevista à Rede Globo só aumentam a indignação em todo o país. Mas, o que poucos sabem, é que João Hélio é apenas um das 119 pesssoas assinadas no Rio de Janeiro. Este ano? Não, apenas desde o dia 1º de fevereiro. Nesse mesmo período, outras 55 foram feridas por arma de fogo.
Eu sei que vocês não têm mais paciência para ler sobre esse lado sombrio da sociedade em que vivemos. Mas é acho que dificilmente ele se resolverá se não olharmos para ele. Os responsáveis por essa estatística pensam como eu. São dois jovens cariocas que, cansados de ver a banalização da violência nas páginas de jornal, criaram o Rio Body Count, inspirado no Iraq Body Count.
O site internacional reporta as mortes de civis causadas pela intervenção americana; a versão nacional reporta todos as vítimas da violência no Rio de Janeiro. No lema, eles cravam: "Não acreditamos em paz vigiada, queremos inclusão social". Quem quiser conferir, pode clicar no selo abaixo.



P.S. - Assim que acabei de publicar este post, cliquei no link para testá-lo e os números já haviam mudado: 120 mortos e 59 feridos. É triste, mas é verdade.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Indignação e esquecimento

O caso aconteceu na noite de segunda-feira e chocou o Brasil inteiro pelos requintes de barbaridade. Dois bandidos abordaram uma família num carro em Oswaldo Cruz, zona Norte do Rio. A mãe de 41 anos estava ao volante, a filha de 13 anos no banco do carona e o filho de 6 no banco de trás. As duas desceram e, quando tentavam tirar o menino pela porta traseira, os bandidos arrancaram com o carro. A criança ficou presa pelo cinto de segurança do lado de fora.
Os bandidos rodaram 7 km por quatro bairros, até abandonar o carro em Cascadura. No caminho, foram seguidos por motoqueiros e outros motoristas que viam a criança presa do lado de fora, sendo dilacerada pelo asfalto. Não pararam. O menino morreu de politraumatismo. Mesmo habituados a ver as piores cenas de horror ao vivo, os primeiros policiais que chegaram ao local choraram.
Presos no dia seguinte, os bandidos alegaram não ter visto que o menino estava preso pelo cinto; pensaram que estavam sendo perseguidos pelos carros e motos que tentavam avisá-los. Testemunhas dizem, porém, que eles dirigiam em zig-zag, como se tentassem fazer com que a vítima se soltasse. Eles só foram localizados pela polícia porque o pai de um deles, ao saber o que o filho havia feito, o denunciou.
Um dos bandidos é maior de idade, não tem passagem pela polícia. Deve ser condenado a 30 anos por homicídio mas vai cumprir no máximo 5. Isso se não for autorizado para pagar sua dívida com a sociedade em liberdade por ser primário. O outro, menor de idade, deve puxar no máximo 3 anos num reformatório, protegido pelo Estatudo da Criança e do Adolescente (que, infelizmente, não foi capaz de proteger a vítima de 6 anos)
O Rio inteiro chora a morte do jovem João Hélio e demonstra sua indignação com a violência. O Globo Online recebeu 2.500 e-mails ontem sobre o caso, recorde absoluto. Mas quanto tempo vai durar essa indignação? Que efeitos práticos a morte de João Hélio terá na melhoria das condições em que vivemos? Provavelmente, ela terá o mesmo fim da morte de 5 pessoas (entre elas uma criança de 1 ano), num ônibus queimado por traficantes em novembro de 2005; que foi o mesmo destino da morte de uma empresária, cujo corpo foi serrado ao meio por um vigia em Botafogo, em agosto do ano passado; e da morte de sete pessoas em outro ônibus incendiado em dezembro passado.
Com exceção dos pais, irmã e familiares de João Hélio, ninguém mais se lembrará de sua morte quando as rainhas de baterias começarem rebolar suas peles queimadas ao som dos tamborins.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Instituições Cariocas 4: Miguel Couto


O nome se tornou famoso no Brasil todo graças ao noticiário viciado em tiros e barracos de tijolos aparentes da TV Globo. Sempre que tem invasão ou guerra em favela, lá aparece Miguel Couto como destino dos baleados, já que esse é o nome do hospital municipal instalado na Gávea que é referência mundial no atendimento de vítimas de PAF (sigla para perfuração de arma de fogo). Só no ano passado, seus 452 médicos atenderam 225 vítimas de tiros e 76 esfaqueados (fora os outros doentes em geral que lotam os 400 leitos disponíveis).
Além do hospital, Miguel Couto também dá nome a uma ruazinha fininha que começa na Avenida Rio Branco e termina na Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio, a um bairro inteiro em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e ao Esporte Clube Miguel Couto, time da 3ª divisão do Rio de Janeiro sediado justamente no bairro iguaçuano.
Com direito a tantas honras, Miguel Couto é famoso quem? É aí que entra a série Instituições Cariocas d'A Casa da Lagoa (devidamente amparada pelo google).
Nasido no Rio de Janeiro em 1º de maio de 1865 (quando esse dia ainda nem era do trabalho), Miguel Couto diplomou-se médico pela Academia Imperial de Medicina em 1883. Estudioso da influenza e da febre amarela, virou professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. E suas teses lhe valeram uma vaguinha na casa de Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras. Apesar de toda a erudição, o velhinho assumiu umas bandeiras meio estranhas: foi ferrenho opositor da imigração japonesa para o Brasil, por exemplo.
Como presidente honorário da Associação Brasileira de Educação, soltou, em 1927, a seguinte frase: "Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobleva em importância e gravidade o da educação". E escreveu um livro intitulado "Só há um problema: a educação". Mais atual impossível. Ironia do destino, o bairro Miguel Couto foi o primeiro de Nova Iguaçu a testar um novo modelo de educação, chamado Bairro Escola, que tenta implantar o período integral e melhorar a qualidade da escola pública.
Por essas e outras, Miguel Couto virou nome fácil em logradouros depois que partiu para a vida eterna, em 6 de junho de 1934.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Herói urbano

O 110 Rodoviária-Leblon parece escolher a dedo os dias em que resolve atrasar: aqueles em que o sol derrete a paisagem no horizonte. Depois de 40 minutos de espera, já embarcado, o vento quente soprando calor pelos vidros abertos, o ônibus pára num ponto e um senhor de muletas, pele toda empipocada, sobe pela porta traseira.
O motorista começa a gritar. O senhor aí, tem subir pela frente, não pode entrar por trás. O velhinho nem aí. O motorista insiste. Tem de subir pela frente, meu senhor. O velhinho fingindo de surdo, o sol aquecendo a estufa sobre rodas. O motorista pede uma terceira vez e um passageiro se irrita. Toca aí, motorista. O homem é velho, tá doente. Vambora.
O motorista não se satisfaz com o início de revolta dentro do ônibus - alguns pelo absurdo de exigir passagem a um idoso doente, outros pela demora sob o sol escaldante -, desce e vai até a porta traseira. Sobe para tirar o ancião explicando que o ônibus agora tem câmera. Fica tudo registrado. Por ele, deixava o velhinho entrar por trás; mas, flagrado pela câmera, vai perder o emprego. O passageiro mais exaltado tira os dois reais do bolso e paga a passagem. Onde fica essa câmera? Lá na frente, aquela caixinha alí, respondeo motorista, apontando para um minúsculo quadrado sobre o retrovisor central.
O passageiro move seu 1,90 em direção à lente e começa um discurso. Pra fazer BBB no ônibus vocês têm dinheiro? Deviam era colocar mais carro na rua, que essa linha demora muito, grita o herói urbano, enquanto o ônibus arranca, sacudido pelos aplausos dos demais passageiros.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Instituições cariocas 3: Ponta do Calabouço

Agora ele enlouqueceu de vez, você deve estar pensando. Quem já ouviu falar nesse lugar? Acredite ou não, se você já esteve no Rio, tem grandes chances de ter pisado exatamente em cima da Ponta do Calabouço. Pois ali, onde pousavam os primeiros hidroaviões que vinham de todo o Brasil e até do exterior, começou a nascer, em 1934, a instituição carioca sobre a qual versa este post: o Aeroporto Santos Dumont.
Para que todos nós pudessemos chegar de São Paulo bem no centro do Rio, o governo federal jogou mais de 2,7 milhões de metros cúbicos de terra sobre 370 mil metros quadrados da Baía de Guanabara. Em 1936, com uma pista de 700 metros de comprimento, ele se tornou o primeiro aeroporto civil a ser inaugurado no Brasil.
Agora, aos 71 anos, esse velho aviador está passando por uma recauchutagem. As autoridades decidiram que ele precisava da plástica para dar conta de receber 8,5 milhões de passageiros por ano. Do jeito que está hoje, recebe 3,5 milhões - gente que passa por um de seus quatro portões na acanhada salinha de embarque ou desembarca a pé, pelo único gate de saída. Oficialmente, porém, ele só tem capacidade para 1,8 milhão de viajantes por ano.
As obras começaram em 2004 e deveriam ter ficado prontas em janeiro. Não ficaram e estão agora, prometendo aprontar até abril o novo terminal de embarque.
Maravilha da engenharia aeroportuária moderna, a nova sala será toda envidraçada. Inclusive no teto (para que os viajantes não percam a vista de outras instituições cariocas como o Corcovado e o Pão de Açúcar). E terá nove pontes que vão despejar os passageiros diretamente dentro das aeronaves, à moda das linhas de produção em massa.
O que é uma pena. Sem a romântica caminhadinha pela pista, não vai mais ser possível contemplar um nascente como esse aí de baixo, que fotografia manhã dessas, a caminho de São Paulo.