sábado, novembro 24, 2007

Diálogos roubados V - Valores da Cidade

O ônibus 110 Rodoviária-Leblon, sempre ele, pára num ponto na Lagoa Rodrigo de Freitas, em frente a um prédio de fachada de granito caramelo e vidros verdes. Na última varanda, com vista para o espelho d'água, uma faixa anuncia: "Vendo cobertura duplex - 4 suítes - 4 garagens - piscina - primeiro dono". E informava um número de celular. No banco atrás do meu, o casal conversa:

ELE: Olha aí, anota aí o número.
ELA: Tá fácil, hein? Isso aí deve ser muito caro.
ELE: Com certeza, nesse lugar...
ELA: Quatro suítes, quatro garagens, piscina...
ELE: Deve custar uns R$ 500 mil.
ELA: O preço de uma casa boa.

Para informação dos pombinhos (que desceram num ponto da Estácio), nas áreas mais baratas do bairro, o metro quadrado não sai por menos de R$ 7 mil. Naquele ponto deve estar em torno de R$ 9 mil. Se o imóvel em questão tiver, por exemplo, 400 metros quadrados, já sai de R$ 3,6 milhões. Mas, com aquela vista, deve valer mais.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Confissão

Eu já fiz essa piada aqui neste blog, de que a primeira violência que sofri no Rio foi jantar num rodízio de pizza... Mas, meus amigos paulistas que me perdoem, vou ser obrigado a confesssar: no feriado, pela primeira vez desde que moro aqui, coloquei ketchup na pizza.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Feriado na Serra

A pracinha é pequena. Tem um coreto no meio e está cercada por casas antigas, algumas no estilo alemão que marcou a colonização daquelas serras na região de Nova Friburgo. Lumiar, onde fica a praça, é um distrito dessa cidade marcada pela produção de calçados e de lingerie, no interior do Rio. Tem algumas ruas e uma infinidade de trilhas na mata e de cachoeiras. Os rios que a cortam, o Macaé e o Bonito, são caudalosos e barulhentos.
Tudo é muito diferente do Rio de Janeiro das praias ensolaradas. Os horizontes são estreitos, limitados por montanhas verdes, o ar é fresco, muitas ruas ainda são de terra. De todas as diferenças, porém, o que realmente me chamou a atenção foi a grande quantidade de crianças que brincam na praça, na noite de sábado. Nas grandes cidades nós perdemos essa espontaneidade. Criança na rua virou sinônimo de flagelo. Mas Lumiar ainda vive a inocência dos tempos em que a molecada se reunia para brincar. Eu mesmo passei bons anos nas ruas em São Paulo, sem prejuízo dos estudos ou da boa conduta. Não existia play, não existiam videogames e a gente era feliz assim mesmo.
Hoje, nas grandes cidades, criança de família está devidamente trancada em casa, na frente de uma televisão.
Ainda bem que ainda existe Lumiar.

terça-feira, novembro 13, 2007

Ah se o Aspira visse essa cena

Praça Onze, Cidade Nova, ao lado do internacionalmente famoso Sambódromo do Rio de Janeiro. Saio da estação do metrô ao som insistente de marteladas furiosas. Não chegaria a ser novidade. A viela cheia de cortiços e biroscas é conhecida como rua das oficinas, tamanho é o número de lanternagens e mecânicas ali instaladas. Há quem diga que são fachadas para bocas de fumo, mas o fato é que todas são muito freqüentadas por taxistas. Os mecânicos, em sua maioria negros de bermudas baixas e sandálias havainas, desfilam suas costelas pela via. Camisa é artigo desconhecido para essa turma.
Quando chove muito, transborda ali uma água cinza, leitosa, que dizem ser o esgoto do bairro. Tudo fede, mas as crianças brincam em volta mesmo assim.
Pois nesse cenário que nem Dante seria capaz de imaginar, as marteladas me chamam a atenção. São muitas, devem ser muitos braços a marretar algum carro. Dobro a esquina e lá está a cena: uns oito mecânicos, mais ou menos, desmontando a marretadas uma viatura de polícia. Isso mesmo. Um carro da gloriosa corporação sendo desmanchado, em plena luz do dia.
Prova de que as mazelas da oficina do Aspira, em "Tropa de Elite", não são mero produto da imaginação do roteirista.