terça-feira, fevereiro 20, 2007

Na Corte de Momo

Em 2005 eles fizeram um breve ensaio de caixas e bumbos. No ano passado, já mostraram força de bateria, mas ainda um pouco acanhados. Esvaziados, talvez, pela desconfiança escaldada do carioca. Este ano, porém, mostraram que o projeto de retomada do carnaval do Rio como festa popular veio para ficar. Mais de 40 desfilaram nos quatro dias de carnaval, sem contar os que saíram antes do início oficial da festa. 2007 foi o ano dos blocos de rua.
O fenômeno é antigo, mas caiu em desuso com a escalada da violência nas décadas de 80 e 90. Nos anos tristes, apenas os tradicionais saíam, mas poucos foliões venciam o medo de se expor numa festa gratuita, aberta a qualquer um. O resto dos cariocas, sem ter como pagar algumas centenas de reais pelos ingressos do Sambódromo, assistia ao carnaval luxuoso dos bicheiros pela televisão.
Os blocos representam a antítese da Sapucaí, onde só se divertem os turistas que podem pagar caro por fantasias exorbitantes; nos blocos, qualquer um participa. Basta ter animação. Nem fantasias, nem samba no pé são exigidos. Tampouco é preciso muito dinheiro ou talento para organizar um bloco. O princípio é simples: um grupo de amigos com alguns instrumentos de percussão se apropria de um pedaço do espaço público e toca velhas marchinhas de carnaval (daquelas que, por alguma decadência criativa, não são mais compostas no Brasil); ninguém paga nada pra ouvir velhas músicas e logo surge um grupo de foliões despreocupados sambando na frente dos músicos. Alguém inventa um nome engraçado e está formado o bloco.
Os nomes dão o toque de irreverência da festa. Alguns tradicionais são o Imprensa que Eu Gamo, o Cordão do Boitatá (que reuniu 6 mil pessoas este ano na Praça XV), o Bola Preta (puxou 200 mil pessoas pela Avenida Rio Branco, da Cinelândia à Presidente Vargas) e a Banda de Ipanema; outros são conhecidos mais pelos cariocas como o Simpatia É Quase Amor, o Que Merda é Essa?, o Bangalafumenga, o Carmelitas e o Céu na Terra.
Com tanta variedade, vários desfilaram de manhã para impedir superlotação. Mas se enganaram. Mesmo os que desafiaram o sol no carnaval mais quente dos últimos anos ficaram lotados. (Mereceram até atenção da querida M., do Le Bal Masqué, que honrou a Casa da Lagoa com sua visita).
Um belo sucesso para um movimento que renasceu tímido no início desta década e, carnaval após carnaval, ganha espaço. As pessoas foram percebendo, nos últimos anos, que não aconteciam arrastões, confusões, brigas ou mortes. Impera uma espécie de armistício informal na guerra urbana: onde soam os tambores, ninguém faz ataques organizados. No máximo um punguista ou um ladrãozinho barato, nada que nunca tenha existido em qualquer aglomeração de gente.
No mais, a divisão social na Corte de Momo segue à risca a regra das praias: pretos e pobres, em geral, garantem a sua fatia raquítica do PIB nacional debruçados sobre geladeiras de isopor repletas até a boca com o gelo e a cerveja que rega festa dos brancos fantasiados. Quem pode gastar algum se diverte; quem não pode fatura.

6 comentários:

Marina disse...

Ferdi, a honra foi minha em ser uma hóspede da Casa da Lagoa. Não tinha idéia dessa volta dos blocos e cordões nas ruas do Rio até chegar aí. Adorei ver o povo caprichando na fantasia e cantando aquelas velhas marchinhas. E que tal, no ano que vem, a gente criar o Bloco Casa da Lagoa, percorrendo a Fonte da Saudade e com a Priscila no tamborim? rsrsrs

F. disse...

É uma boa idéia. Será que ela aprende a tocar o tamborim até lá?
Bjs,

Anônimo disse...

Sempre leio o blog, adoro os textos mas nunca deixei nenhum comentário. Porém, não poderia deixar de me manifestar depois de ler esse texto em que eu também faço parte por ter aproveitado essa folia! Adorei o texto e recomendo os blocos, que ainda são "populares", pelas ruas da Cidade Maravilhosa.

F. disse...

Olha a dona Rachel aparecendo aí!!!! Seja bem-vinda, amiga. Bjs.

Anônimo disse...

A Rá é discreta e nunca escreve, mas é grande o grupo de fãs paulistas do blog.
Comentando o post, estive em Salvador nesse Carnaval, onde o esquema de abadás, cordas e cordeiros não é nada democrático como aí no Rio. Parece que o Carlinhos Brown está propondo algo diferente com um bloco chamado Pipocão, mas dificilmente os ídolos Chiclete com Banada e Asa de Águia vão abrir mão do faturamento com seus blocos. Para se ter uma idéia, tinha cambista vendendo o abadá do Nana Banana no sábado por MIL E CEM REAIS!!!! O pior é que eu vi um turista - brasileiro - pagando esse valor em cash.

F. disse...

Andar com esse dinheiro todo no bolso durante o carnaval em Salvador! Isso é que coragem, hein Celina?