Essa foi contada por uma amiga. E infelizmente é real.
Minha amiga chega numa favela carioca para entrevistar algumas mulheres para sua pesquisa. Numa das casas, a moça que abre a porta avisa que a dona da casa é muda. "Bem, então não dá pra fazer a entrevista..." "Entre, moça, que ela é muda mas fala..." "Muda mas fala?" Minha amiga entrou pra ver.
E não é que a mudinha falava? Super articulada, ainda por cima. Foi logo explicando sua história. Há muitos anos, depois de uma decepção amorosa, teve uma espécie de bloqueio psicológico e parou de falar. Entrou então numa série de programas de apoio a surdos-mudos, conquistou direitos especiais exclusivos a esse público, aprendeu a língua dos sinais e, o mais importante, encontrou um grupo onde ela se sentia igual a todo mundo, totalmente incluída.
Pouco tempo depois o bloqueio passou e a mudinha percebeu que não havia nada de errado com a sua voz. O que deveria ser uma feliz descoberta foi recebido por ela com medo e tristeza. Deixando de ser muda, deixaria também de participar de todos aqueles programas e encontros, perderia os direitos que havia conquistado e seria excluída da única comunidade onde ela até hoje teve um espaço.
Foi assim que a moça resolveu permanecer calada. Da porta da rua pra fora, ninguém ouve sua voz. Fala apenas em casa, com a família. E com as raras visitas que, como minha amiga pesquisadora, vão desavisadamente bater à sua porta para ouvir o que ela tem a dizer sobre o mundo (só pra registrar, suas respostas à pesquisa foram das mais consistentes e relevantes).
Ao se despedir, ela confessa: "Meu sonho é ir embora para o Tocantins. Lá, vou conseguir trabalho usando o que aprendi de linguagem de sinais. Ninguém vai me conhecer e eu nunca mais vou precisar falar."
Adoraria que fosse, mas juro que não é ficção. Aconteceu outro dia, numa favela da zona Oeste do Rio. Fiquei pensando na história por vários dias. Que país é esse onde uma pessoa precisa se fazer de muda para ser uma cidadã de direitos, calar-se para que sua voz seja ouvida, excluir-se para se sentir incluída, isolar-se para encontrar um espaço na sociedade? Não bastam as condições de vida e a falta de oportunidades a que está sujeita para que ela mereça nossa atenção?
domingo, agosto 27, 2006
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3 comentários:
Pri, muito interessante. Fundamenta a teoria de que nesse País é melhor imitar os três macaquinhos, iguais aqueles que você trouxe.
Beijo.
Muito boa mesmo essa história... Mas cadê a Central do Brasil II?
Bjs.
Sensacional. Meu tio conhece o mudo mais mentiroso do Rio de Janeiro. Seria ele amigo da muda?
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