sexta-feira, agosto 04, 2006

Corpo no asfalto

Esse eu não vi pessoalmente. Aconteceu longe da Ilha da Fantasia, na Avenida Brasil, altura do Caju, Zona Norte do Rio. A imagem me chamou a atenção no alto da primeira página do maior jornal carioca. Espaço nobre porque quem sangrava debaixo do saco plástico era o desembargador José Maria de Mello Porto, do Tribunal Regional do Trabalho.
Mello Porto encontrou a morte na carona de um Audi prata, quando ia para casa na Barra da Tijuca, com um procurador federal aposentado, cujo nome não foi divulgado. (Por que será que autoridades policiais e jornalistas sempre preservam vítimas com vários sobrenomes e contas bancárias? Quando a estuprada é pobre sai com nome, sobrenome e, se bobear, até foto. Mas essa é outra discussão, que não tem lugar neste Audi.)
Os dois trafegavam pela Avenida Brasil quando oito homens armados os interceptaram com dois carros na altura da Favela Parque Alegria. Versões conflitantes dizem que Mello Porto teria descido atirando com sua pistola Glock. Por isso morreu. O amigo, que também estava armado, não reagiu e sobreviveu. Os bandidos acabaram fugindo apenas com a Glock.
O desembargador era primo do ex-presidente Fernando Collor e andou envolvido em suspeitas de roubalheira quando presida o TRT do Rio, nos anos 90. Houve quem levantasse a suspeita de execução, prontamente afastada por seus pares, todos também com vários sobrenomes, que aproveitaram para dar aquelas velhas declarações: "viramos reféns da violência", "quem sai de casa não sabe se volta", blá, blá, blá...
Só para informação dos togados, todos os dias morrem assassinadas, em média, 9 pessoas na cidade do Rio de Janeiro (antes que me acusem de bairrismo, em São Paulo, são 16). Esse dado não inclui a Baixada Fluminense.
A diferença é que o desembargador Mello Porto era importante. Mereceu uma lona azul enorme, que lhe cobria com folga o corpo. O outro cadáver que encontrei na Cidade Nova no início de julho (leia Atrações da Cidade Maravilhosa) estava mal coberto por um saco de lixo verde da Conlurb, com o pé negro, descalço, de fora. Também, nem sobrenome tinha.
Em comum entre os dois, apenas o velho pé de Havaiana, usado como peso para impedir o saco de avoar...

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