Há duas semanas comecei a trabalhar em Nova Iguaçu. Conhece Engenho de Dentro? Fica depois. Deodoro? Depois ainda. Belford Roxo? Um pouquinho mais pra frente... Nova Iguaçu fica a exatos 50 minutos de trem da Central do Brasil, no meião da Baixada Fluminense. Ir pra lá de trem tem sido pra mim uma oportunidade maravilhosa de conhecer um Brasil novo que eu não via daqui da Ilha da Fantasia: o Brasil da Central.
O Brasil da Central acorda cedo. Às 7h30 da manhã os trens já chegam bombando no centro do Rio, trazendo os milhares de faxineiras/os, vendedores/as, cozinheiras/os e garçons/etes que vem limpar, abastecer, alimentar e servir o Brasil da Zona Sul.
O Brasil da Central, por mais que se pense o contrário, adora ler jornal. Expresso, Meia-hora e outros tablóides sensacionalistas que a cada dia trazem na capa uma parte do corpo humano: uma cabeça, uma perna esmigalhada, um pé detonado... Tudo empapado de muito sangue.
O Brasil da Central mata a sede com Coca-Cola e Guaraviton (uma bebida enjoativa com gosto de Tuti-fruti e xarope) e forra o estômago com amendoim e salgadinho de pacote. Depois adoça a boca com jujuba e paçoquinha. Tudo no esquema delivery, entregue dentro do vagão pelo exército de camelôs que perambulam pelos trens.
O Brasil da Central não conhece muito bem essa história de meio-ambiente. Joga a latinha de Coca-Cola e o copinho de Guaraviton, junto com o pacote do amendoim, do salgadinho, da jujuba e da paçoquinha, pela janela do trem. Mesmo tendo pelo menos 4 lixeiras em cada vagão.
O Brasil da Central é solidário. Ajuda o pessoal que vem pedir dinheiro pro Lar de não sei das quantas. Os ex-viciados que vêm arrecadar dinheiro para a clínica de recuperação. A cigana (bem gordinha) que diz que a família passa fome.
O Brasil da Central tem muita fé. O universitário traz a Biblia pra ler no caminho; o pastor prega, canta e faz teatro no trem, tentando levar Jesus ao coração das ovelhas desgarradas que, como eu, olham com jeito de infiel.
Mas o que mais me chamou a atenção foi o embarque no trem da volta, já lá pelas seis da tarde. Eu chegava na Central e, conforme meu trem ia parando, uma multidão colava na porta da direita, loucos pra voltar pra casa. Batiam no vidro e gritavam: aêêêêêêê. A porta da esquerda abriu primeiro, e eu saí rapidinho pela plataforma vazia. No minuto seguinte abriram a porta da direita. Deus do Céu, nunca vi uma coisa dessas... A galera invadiu com tudo, um pulando por cima do outro para conseguir um assento. Precisa ver a alegria dos vencedores... Sorriso de privilegiado... Afortunado entre os desafortunados... Mesmo que a ilusão dure apenas 50 minutos.
É essa a rotina do Brasil da Central. Um Brasil que come lixo, bebe lixo e lê lixo. Mas que nem por isso perde a fé... E continua acordando cedo todos os dias e dando um duro danado para conseguir um lugarzinho ao sol nesse trem superlotado que chamam de progresso...