segunda-feira, dezembro 04, 2006

Rio pipoca

O cheiro no ar há tempos me atrai a atenção - e toma-me trocados do bolso. Nas entradas do metrô, nos pontos de ônibus, em qualquer possível ponto de aglomeração, lá estão eles, geralmente no final da tarde, com suas panelas fumegantes, iluminados por um lampião à gás, estourando em milhos as reminiscências de filme na sala escura da infância.
Em São Paulo nos acostumamos a encontrá-los na porta do cinema, mas no Rio eles estão por todo lugar. Isto é, desde que não seja dezembro. Porque no mês do Papai Noel, mudam-se todos para a Lagoa Rodrigo de Freitas.
No final da tarde do último sábado, uma procissão de pipoqueiros cruzava a ciclovia e a Avenida Epitácio Pessoa a caminho do Corte Cantagalo. Partiam cedo em busca do melhor lugar para servir suas pipocas às milhares de pessoas que iriam, naquela noite, assistir à inauguração da Árvore de Natal da Lagoa, enfeite gigantesco que já se transformou em ponto turístico nesta época do ano.
O lugar nobre e a presença de turistas e da upper class carioca inflacionam o preço da iguaria. Vanderlei, pipoqueiro da Praça Onze que faz ponto na entrada do metrô, vende-me o menor saquinho por R$ 1 o ano todo. Em dezembro, ele se muda para a Lagoa, onde cobra R$ 2.
Na semana passada, comprei-lhe uma pipoca doce e ele não tinha troco. "Paga amanhã", me disse. No dia seguinte, ele não estava. Agora, mudou-se para a Lagoa e vou ser obrigado a atravessar o ano com essa dívida. Ele só volta à Praça Onze em janeiro, depois que a árvore deixar de colorir as águas da Lagoa.
Num passeio rápido no sábado à noite - eu também queria ver a árvore que todos os anos inova na iluminação -, perdi a conta de quantos carrinhos de pipoca se enfileiravam à beira da ciclovia, entre outros de churros, cachorros-quentes, churrasquinhos, biscoitos globo e bebidas em geral.
Parei no que me pareceu oferecer as doces mais suculentas. Joel, o pipoqueiro, contou que ficaria por lá naquela noite enquanto houvesse gente olhando a árvore. Talvez até amanhecer. Ele aprendeu o ofício com o irmão, dono do ponto do Cine Odeon, na Cinelândia. Trabalha normalmente na Praça Tiradentes, mas é pipoqueiro há pouco tempo. "Só uns oito anos", calcula.
Para assumir a profissão é preciso ter algum capital. Um carrinho de pipoca novo, de médio porte, feito em alumínio, custa cerca de R$ 2 mil num depósito que os fabrica na Rua do Lavradio, na Lapa. É possível parcelar esse valor em até cinco vezes. O lugar também aceita carrinho usado como forma de pagamento do novo e os aspirantes a pipoqueiro menos abastados podem começar por um modelo recondicionado.
Joel contou-me que qualquer um pode virar pipoqueiro. Todas as tentativas de organizar a categoria fracassaram. Num país onde até traficante tem sindicato (os vários comandos da vida), os pipoqueiros talvez sejam os últimos trabalhadores livres, estourando milhos em suas velhas panelas surradas, à luz de um lampião.
Salgada ou doce?

3 comentários:

Marina disse...

Esses pipoqueiros, com carrinho de aluminio e lampiao de gas, sao raros em Sao Paulo. Com a migracao das salas de cinema pra shopping, agora se paga 10, 15 reais por um copo colorido de pipoca nos cinemarks da vida. Mas a pipoca nao tem o mesmo sabor. Ah, em frente o Unibanco ainda tem um pipoqueiro. Mas eh o unico que consigo lembrar.

Anônimo disse...

Em São Paulo, os pipoqueiros estão na frente dos colégios de classe média, adoçando os olhos e as bocas das crianças! No fim da tarde, eles se mudam para a frente das Universidades, onde a pipoca é, às vezes, o jantar da moçada que saiu direto do trabalho rumo a mais uma noite de aula exaustiva... Eles ainda estão aqui e são, também, um mito da infância...

Anônimo disse...

Quando era assessora de imprensa de uma rede modernosa de cinemas lembro que a pipoca era responsável por 30% do faturamento da empresa!