quinta-feira, janeiro 11, 2007

Pombas e poemas

Novo ano, nova esperança de paz. Era mais ou menos assim que começava a última frase do meu último post, sobre o réveillon em Copacabana. Exatamente num início de ano violento no Rio, cenário e razão da existência deste blog. A esperança, coitada, deve andar gasta de tanto rolar na caixa de nossas bocas sempre que queremos empurrar aos outros um problema.
Todo ano é igual. Cheios de esperança, ficamos à espera de que a paz apareça e se instale por milagre. No máximo, vestimos uma roupa branca e fazemos um pedido a Yemanjá no dia 31 de dezembro. No dia seguinte, farda despida, já estamos de volta à guerra diária. Nas discussões em família, nas brigas no trânsito, nos destemperos cotidianos.
Aprendi tudo isso com um velhinho. Testa avançada sobre a cabeleira branca, óculos de aro grosso, ele é figura fácil na Cobal de Humaitá. Carrega uma pastinha cinza debaixo do braço e, dentro dela, folhas A4 com um texto impresso, que distribui às pessoas com a recomendação:
- Espalhe. O mundo está precisando de paz.
Foi exatamente assim que ele nos abordou outro dia, na mesa do Rio Vegetariano. O texto, atribuído a Gandhi, fala em nos doarmos para ajudar a transformar o outro. Termina assim:
"Retome a bondade. E doe-a a quem não sabe doar.
Descubra o amor e faça o mundo conhecê-lo."
Assim que levantei os olhos do papel, dei com o velhinho ralhando com a garçonete que demorava a atendê-lo. A paz que ele pretendia espalhar pelo mundo, pelo visto, estava só na pastinha cinza. Paz não se espera; se pratica.

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Quem terá sido o gênio que atribuiu à pomba branca o símbolo da paz? Logo a pomba, tão pequena e difícil de pegar (quem nunca correu, criança, atrás de uma pomba?).
Será por isso que a humanidade nunca encontra a paz? Será que ela pode ser comprada por um punhado de euros na Piazza San Marco, em Veneza? Lá, com milho nas mãos, qualquer um vira poleiro de dezenas de pombas.
O que a humanidade conseguiu com esse simbolismo ridículo foi exportar o preconceito para o mundo das aves. Em qualquer pet shop, uma pomba branca custa o dobro de uma pomba mesclada ou de uma cinza. Afinal, ela é da paz.

Um comentário:

Anônimo disse...

E quem não se identificou com o velhinho do Humaitá pelo menos uma vez na vida, que atire a primeira pedra... Beijos e Feliz Ano-Novo pra vcs!